domingo, 24 de fevereiro de 2013

Quando o futebol é o que menos importa



Algumas horas antes de San Jose x Corínthians, na Bolívia, pelo Grupo 5 da Copa Libertadores, a delegação brasileira deixa Cochabamba com destino a Oruro, local da partida, distante 210 km, mesmo percurso realizado por Kevin Beltrán e sua família. 

Torcedor fanático, o garoto não perderia por nada o embate do seu time contra o campeão do mundo.

O San José não é exatamente uma potência , nem mesmo em se tratando do decadente futebol boliviano, atualmente o mais fraco da América do Sul. 

Com dois títulos nacionais em sua história, as grandes armas da equipe são os 3.702 metros de altitude do estádio Jesús Bermúdez e o seu torcedor número 1, o Presidente Evo Morales.

Seja em um país paupérrimo, como a Bolívia, seja no Brasil (vide Lula/Corínthians), seja na Itália (Milan/Berlusconi), o fato é que ter um padrinho forte faz uma faz baita diferença...

Conta-se no país andino que o Presidente da República prometeu doar US$ 500 mil ao San Jose. Ocorre que seu irmão Hugo perdeu as eleições para comandar o clube, Evo magoou e até hoje ningué viu a cor do dinheiro. Lá como cá, é assim que as coisas funcionam.

Bem, voltando à história inicial: fim de jogo, empate em 1 a 1, gol corintiano do peruano Guerrero – sempre ele – o herói da conquista do titulo mundial contra o Chelsea.

Mas o que menos importava era o resultado do jogo. Na comemoração do gol, um torcedor brasileiro disparou das arquibancadas do acanhado estádio local um  sinalizador (desses que se usa em navios) contra a torcida boliviana. 

O projétil cilíndrico de cerca de 20 cm percorreu 40 metros. O jovem Jonathan Beltrán sentiu apenas uma rajada de vento arrancando seu gorro. Ao olhar para o lado, já viu seu primo Kevin, de apenas 14 anos, estendido sobre a grade, fulminado com o artefato plástico alojado em seu olho esquerdo. Causa do óbito: traumatismo craniano.

Doze brasileiros foram presos pela polícia local, suspeitos da autoria do crime. Passados alguns dias, as investigações apontavam para dois possíveis autores, de 21 e 24 anos de idade.













Neste domingo, uma reviravolta. A Gaviões da Fiel, torcida organizada de histórico pouco abonador, identificou o autor do disparo fatal: um funcionário da agremiação, de 17 anos. O adolescente vai confessar e, por ser menor de idade, não poderá ser responsabilizado pelo crime.

Muito cômodo. E prático. Até porque, o curioso – e bota curioso nisso – é que o adolescente que vai assumir tudo encontra-se no Brasil, livre, leve e solto, e não faz parte do grupo original dos doze suspeitos que permanecem retidos na Penitenciária boliviana de San Pedro.

Estranho, mas não surpreendente. É bom lembrar que se o rapaz tivesse falado isso em território boliviano ele estaria bem enrascado, visto que lá a maioridade ocorre aos 16 anos. A Gaviões realmente pensou em tudo. 

Desnecessário lembrar que o lamentável episódio poderia ter ocorrido com a torcida de qualquer clube brasileiro. Afinal, todos têm sua parcela – felizmente uma minoria – de marginais.

Mas bem que a diretoria poderia parar de falar bobagem, especialmente o presidente Mário Gobbi, que, aliás, é advogado. Ele é contra qualquer punição para o timão. Ou seja: jogar latinha em campo não pode, o time perde o mando de campo. Apontar um morteiro contra a torcida adversária é uma fatalidade, não merece punição. 

A questão é financeira. O Corínthians deve mandar todos os seus jogos na competição com portões fechados, o que significará um imenso prejuízo financeiro. Convenhamos, dado o contexto, isso não tem a menor importância.

Quarta-feira. Kevin chega ao Estádio de Oruro para ver o campeão do mundo jogar.

Domingo. Os pais de Kevin chegam ao cemitério de Cochabamba para ver a pessoa mais importante do mundo partir.

Solidarizemo-nos com a sua dor.